
O governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva prepara o envio de dois projetos de lei ao Congresso Nacional com o objetivo de estabelecer um novo marco regulatório para as grandes empresas de tecnologia, conhecidas como big techs. As propostas, elaboradas por diferentes ministérios, dividem a abordagem em duas frentes principais: a regulação de conteúdo e a regulação econômica, sinalizando uma ofensiva para aumentar a responsabilidade e a competitividade no setor digital.
As novas regras chegam em um momento de intenso debate global sobre o poder e a influência das plataformas digitais. O presidente Lula tem defendido publicamente a necessidade de regulamentação, afirmando que as redes “não devem ser uma terra sem lei” e que é preciso criar mecanismos para proteger os usuários, especialmente crianças e adolescentes.
Combate a Conteúdos Ilegais e Proteção ao Usuário
O primeiro projeto de lei, focado na regulação de conteúdo, foi desenvolvido em uma colaboração entre o Ministério da Justiça e a Secretaria de Comunicação Social (Secom). A proposta visa principalmente as plataformas com mais de três milhões de usuários no Brasil. Para as empresas menores, as regras seriam mais brandas, exigindo, no entanto, a criação de canais de comunicação com o público.
O cerne da proposta é estabelecer o “dever de cuidado”, obrigando as empresas a agirem proativamente para prevenir e mitigar a disseminação de conteúdos ilícitos. A legislação se concentrará em coibir fraudes, golpes, incitação à violência, crimes contra menores de idade e violações ao Código de Defesa do Consumidor.
Um dos pontos mais importantes é a previsão de sanções para o descumprimento das normas. As penalidades poderão variar desde advertências e multas até a suspensão temporária dos serviços por até 60 dias. Notavelmente, a Agência Nacional de Proteção de Dados (ANPD) poderá determinar a suspensão sem a necessidade de uma decisão judicial prévia, o que confere maior agilidade ao processo.
A iniciativa ganhou força após a grande repercussão de um vídeo do influenciador digital Felca, que expôs a exploração e a “adultização” de crianças em redes sociais, gerando forte pressão por uma resposta do poder público.
Foco na Concorrência Leal e na Economia Digital
Paralelamente, o Ministério da Fazenda elaborou um segundo projeto de lei com foco na regulação econômica do setor. Esta proposta é direcionada especificamente para as cinco maiores gigantes da tecnologia: Alphabet (controladora do Google), Amazon, Apple, Meta (dona do Facebook e Instagram) e Microsoft.
O objetivo principal é coibir práticas consideradas anticompetitivas e que sufocam a inovação. Entre as práticas que o governo busca combater estão a falta de transparência nos mecanismos de busca, a imposição de taxas abusivas nas lojas de aplicativos para desenvolvedores menores e a venda casada de produtos e serviços.
A medida se alinha a movimentos regulatórios semelhantes observados em outras partes do mundo, como na União Europeia, que também tem buscado limitar o poder de mercado das big techs para garantir um ambiente de negócios mais justo.
O Contexto Político e os Próximos Passos
O governo planeja enviar os dois projetos de lei ao Congresso de forma simultânea, numa estratégia para demonstrar a abrangência de sua agenda para o setor digital. No entanto, o envio está condicionado à conclusão da votação de outro projeto importante, o que trata da “adultização” de crianças e adolescentes, de autoria do senador Alessandro Vieira.
A articulação política com os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado será crucial para o avanço das propostas. O tema da regulação das plataformas digitais é complexo e divide opiniões no parlamento, como já foi observado durante as discussões do Projeto de Lei 2630/2020, conhecido como PL das Fake News.
Embora o governo atual tenha optado por uma nova abordagem com estes dois projetos, o debate em torno do PL 2630 serviu para amadurecer a discussão pública sobre a responsabilidade das plataformas. O novo projeto de conteúdo, por exemplo, parece ter um escopo mais específico ao não incluir crimes contra a honra ou “fake news” na lista de conteúdos que podem ser removidos sem ordem judicial, um dos pontos mais polêmicos do texto anterior.
Para mais informações sobre o histórico e os detalhes do PL 2630, também conhecido como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet, você pode consultar a página oficial do projeto na Câmara dos Deputados.
A expectativa é que, uma vez apresentados, os projetos iniciem sua tramitação nas comissões temáticas da Câmara e do Senado, onde devem ser alvo de intensos debates entre parlamentares, especialistas e representantes das empresas de tecnologia antes de uma eventual votação em plenário.